Controlar os gastos da sua empresa permite canalizar o dinheiro para as iniciativas que farão seu negócio crescer
Toda empresa opera com uma equação básica: seu lucro é o resultado de sua receita menos os seus gastos. Portanto, menos gasto significa mais lucro. E mais lucro significa mais investimento em inovação, capacidade de expansão e até mesmo maior remuneração dos funcionários.
Acontece que nem sempre as empresas monitoram de perto as suas despesas ou têm processos para saber exatamente onde elas estão e como evoluem. Pior: não incentivam gestores e funcionários a usarem os recursos de maneira eficiente.
Para reverter esse processo, sua empresa precisa implantar uma cultura de redução de despesas. Ela garante que o dinheiro disponível será gasto nas iniciativas mais alinhadas com os objetivos do negócio. Especialmente para startups e empresas pequenas, que dispõem de poucos recursos, o esforço é ainda mais importante. Mas como começar? É justamente esse caminho das pedras que tentarei traçar a seguir.
Primeiro, os dados
Para reduzir despesas e colocar essa pauta em toda a empresa, é necessário ter uma boa base de dados. O mapeamento da estrutura de despesas é o primeiro passo para realizar qualquer ajuste ou mudança. Sua empresa tem uma base de dados confiável? Segue as normas contábeis? Dentre as minhas despesas, quais são fixas e quais são variáveis? As informações estão registradas em algum sistema ERP? Quanto mais acessíveis e mais seguros forem esses dados, melhor. Com um bom plano de contas e uma boa estrutura de centro de custos, é possível analisar a situação de cada área e atuar sobre os problemas.
Para entender por que esse é o primeiro passo, pense em um avião que precisa ser pilotado. O responsável por essa tarefa precisa ter no painel de bordo todas as informações disponíveis para saber se a aeronave está funcionando normalmente e se está seguindo a rota estabelecida. Os dados são o ponto de partida. Com informações confiáveis, é mais fácil tomar as decisões corretas.
Crie relatórios
O segundo passo é a criação de relatórios gerenciais, que trazem os KPIs (Key Performance Indicators), para a empresa acompanhar suas principais métricas. Também é importante ter o DRE (Demonstração do Resultado de Exercício) estruturado, com as margens que refletem o seu negócio. Essas informações permitirão acompanhar a evolução dos custos e das despesas do seu negócio e comparar suas métricas com as de mercado. Esse filtro de informações é importante porque, com uma base de dados gigantesca, fica difícil visualizar a situação da empresa ou trabalhar com as informações no dia a dia.
Tenha um ritual de análise
Os relatórios, no entanto, não servem para nada se não houver uma rotina de análise. É o que eu chamo de “ritual”. Nesse momento, entram em cena as pessoas e o calendário de avaliação. Se a sua empresa está começando a implantar uma cultura de redução de despesas, o ideal é que, inicialmente, as reuniões envolvam poucas pessoas, que podem ser os gestores de cada área. A empresa estabelece uma agenda: as reuniões de resultados podem ser mensais, bimestrais ou trimestrais, de acordo com a organização da empresa. A periodicidade pode mudar conforme a maturidade da empresa.
Aqui, vale o alerta: uma reunião para apresentar informações não faz sentido. Informações podem ser enviadas por email. O objetivo de colocar gestores em uma mesma mesa deve ser discutir um plano de ações e possíveis melhorias nos gastos e processos. É assim que se decide quais serão os esforços de redução de custos e despesas.
Faça um orçamento
Voltando ao exemplo do avião: um piloto precisa saber para onde está indo e qual rota seguir. O mesmo vale para despesas de um negócio. Para onde meus gastos estão indo e em quais áreas estarão concentrados? Essas respostas estão no orçamento, que precisa ser elaborado e perseguido.
A sua empresa provavelmente tem uma estimativa de receita. Para atingi-la, tem uma estimativa de custos e despesas. O que sobrar será seu lucro. Portanto, o ideal é, para um determinado nível de vendas, encontrar qual o gasto necessário para entregar o seu produto ou serviço. O orçamento transforma esse mínimo ideal em metas para cada área. A remuneração variável dos funcionários pode estar atrelada à conquista dessas metas.
Enquanto relatórios e demonstrativos mostram o desempenho da empresa no passado e no presente, o orçamento é a visão de futuro, a programação para os próximos meses ou ano. As metas precisam ser acompanhadas a cada mês e a empresa precisa fazer planos para corrigir desvios. O orçamento não serve apenas para ficar na parede, mas para ser acompanhado e cumprido.
Mais maturidade a cada ano
A cada ano, a empresa ganha mais maturidade em um processo de redução de despesas. As pessoas se habituam a esse ciclo de indicadores – relatórios – análises – orçamentos e passam a ter mais senso crítico para entender o que está por trás de bater uma meta com folga ou do não atingimento da meta. Quando uma meta não é atingida, as perguntas que precisam ser feitas são: estava realmente muito difícil? Será que errei no traçar das metas? Ou essa área precisa de ajuda externa?
Com o tempo, cada vez mais a empresa consegue apertar seus custos e despesas e errar menos nas estimativas. E cada vez que aperta mais, cria uma cultura de que é possível fazer melhor, mais rápido e com menos recursos sempre.
Metodologias
Há duas metodologias interessantes para construir e gerenciar um orçamento, implantando uma cultura de redução de despesas:
– Orçamento Base Zero (OBZ). É o método utilizado por grandes empresas como a Ambev, que repensa a cada ano todas as despesas das áreas. Ele desconsidera o passado e considera a estratégia da empresa para o período seguinte. Com base nessa estratégia, são definidas quais despesas fazem sentido. É uma priorização, considerando o que é mais fundamental para entregar o produto, o serviço e a proposta de valor da empresa. Dá para aplicar essa ideia em qualquer lugar. Imagine que você tenha R$ 1000 para gastar na sua casa por mês. Você vai listar seus desejos e elencar suas prioridades, gastando até o limite do orçamento com aquilo que é mais importante.
– Gerenciamento Matricial de Despesas (GMD). Essa metodologia propõe uma comparação das despesas entre as áreas. Por exemplo, suponha despesas com deslocamento, hotéis e refeições. Tudo isso pode ser colocado na conta de “viagens” da empresa. É possível designar um responsável por monitorar todas as despesas com viagens, comparando os gastos de cada área, evidenciando as melhores práticas. Ele pode criticar algumas despesas ou propor que, considerando a demanda de todas por passagens, negociar com a companhia aérea fornecedora um desconto extra.
Engaje as pessoas
Não é segredo para ninguém que reduzir despesas é uma tarefa ingrata. Nenhum gestor gosta de abrir mão do seu orçamento. Para engajar as pessoas em uma cultura de redução de custos é preciso mostrar que ela traz benefícios. Como? Ao eliminar despesas não estratégicas, sobra mais dinheiro para investir no crescimento do negócio. No final do ano, o crescimento da empresa poderá ser distribuído em forma de dividendos, bônus ou PLR. Uma empresa que gasta todo seu lucro com despesas que não são necessárias não consegue distribuir uma boa remuneração variável.
A importância do líder
O engajamento só existirá se o nível mais alto da hierarquia da empresa estiver comprometido com a redução de despesas. Um gerente, por melhor intencionado que seja, não pode ser o único porta-voz do assunto. A diretoria e a presidência precisam imprimir essa cultura, com um discurso homogêneo para defendê-la. Mais: o discurso precisa ser demonstrado na prática. Continuar gastando e ignorando metas que não são batidas são caminhos para o fracasso da cultura de redução de despesas.
Trabalho de longo prazo
Cultura é uma construção de longo prazo. Não dá para implementar de forma abrupta, há uma velocidade de absorção das regras. Se não levar esse tempo de assimilação em conta, a empresa pode acabar atropelando a tentativa de reduzir despesas e cair em descrédito diante dos funcionários – eles passarão a acreditar que uma iniciativa como essa não tem como dar certo. Redução de despesas é um remédio que precisa ser ministrado a conta-gotas para não matar o paciente.
Até por conta disso, as reuniões no primeiro ano devem ser restritas a um pequeno grupo de gestores. Se algo der errado no projeto, é mais fácil corrigir quando ele envolve poucas pessoas. Além disso, aos poucos, essas pessoas se tornam multiplicadores da cultura de redução de despesas.
Algumas empresas brasileiras são bons exemplos dessa cultura, como a Lojas Renner. Seu presidente, José Galló, tem feito isso desde o começo dos anos 1990. Ele é um porta-voz dessa cultura de redução de despesas, de fazer mais com menos. Quando trabalhei com a Renner, vi de perto como a empresa de fato gasta o que é necessário, sem esbanjar.
Algumas empresas já nasceram assim, como a BRMalls. Os sócios do fundo de investimento GP, um dos controladores, que sempre foram espartanos com a redução de despesas, imprimiram essa cultura na rede de shoppings. Começaram com a ideia na diretoria, que depois desceu para o nível de coordenadores até chegar, como vemos hoje, nas recepcionistas.
Três armadilhas
Por fim, separo o que considero três grandes armadilhas às quais todo empreendedor deve se atentar:
– A comunicação precisa ser clara e transparente. Evite informações encriptadas. As pessoas precisam entender os indicadores, o orçamento e as metas. E a cultura tem que ser transferida pela repetição. Todo novo funcionário precisa ouvir sobre redução de despesas. Os antigos precisam ser lembrados sempre. O antropólogo Claude Lévi-Strauss dizia que uma das características do líder era repetir as mesmas histórias para imprimir a cultura. E essa história não pode ser contada só com números complicados.
– Não se afobe. Uma cultura de redução de custos não é implementada de um dia para o outro. Nem é possível envolver a empresa inteira de uma vez só. Primeiro, as reuniões e discussões devem ficar restritas a poucos gestores. Eles testarão o novo sistema, construirão a metodologia e se tornarão os multiplicadores da cultura.
– Saiba para onde sua empresa está indo. Talvez a pior armadilha seja fazer um orçamento sem saber qual o rumo do negócio. O orçamento precisa estar vinculado aos desafios e estratégias da empresa e a serviços deles. Como disse Seneca, se você não sabe para qual porto está navegando, nenhum vento será favorável.
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